Há quatro meses, Virgínia Carvalho, 36, recebeu o aviso de que a obstetra que a acompanhava pelo plano de saúde não poderia mais atendê-la na hora do parto. Cesárea? Só particular, ao custo total de R$ 8.000.
"Estou ainda sem saber o que fazer", conta ela, hoje aos sete meses de gravidez.
O motivo são as novas regras da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para partos nos planos de saúde, que entram em vigor nesta segunda-feira (6).
A medida visa diminuir o número de cesarianas nas operadoras --atualmente, esse índice é de 85%. Na pública, a taxa é de 40%.
Quem prefere a cirurgia, porém, já sente as mudanças. A principal delas se deve à exigência de os médicos preencherem um partograma, que mostra a evolução do trabalho de parto.
O documento será um dos requisitos para que a operadora pague o médico, além de ser um meio de fiscalizar se uma cesárea foi feita sem necessidade. Na prática, a medida acaba por barrar cesáreas marcadas com antecedência --o que tem afastado médicos dos planos.
Informada pela médica de que, caso quisesse fazer cesárea, só poderia ter atendimento particular, Virgínia cogitou um reembolso da operadora, que negou a possibilidade.
Em uma quase "cruzada" pelo atendimento, procurou então a ANS e o Procon e já planeja recorrer à Justiça.
Entre outras mães, a reclamação é a mesma. "Se antes era difícil encontrar quem fizesse parto normal pelo plano de saúde, agora é difícil encontrar quem faça cesárea", conta uma professora universitária, que pede para não ser identificada.
Nos últimos dois meses, ela procurou quatro médicos diferentes no plano de saúde.
Chegou a pensar em parir em um dos hospitais conveniados --até saber que havia apenas um plantonista.
Desistiu da ideia: vai pagar o serviço particular para a equipe da médica que já a acompanhava no pré-natal. "Essa lei foi proposta para dar liberdade à mulher, mas também tira o direito daquela que quer fazer cesárea."
Ainda na 28ª semana de gestação, a secretária Thaís Barreto, 26, diz que foi aconselhada pela médica a procurar outro obstetra se insistisse no parto cirúrgico. "Ela disse que, com a nova lei, não teria nenhuma possibilidade", relata. Thais prefere a cesárea por ter tido complicações no parto anterior.
Para José Hiran Gallo, do Conselho Federal de Medicina, médicos não podem deixar de atender devido à nova regra. "Isso é abominável."
Grávida terá de assinar termo sobre tipo de parto
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) nega que as novas regras possam trazer prejuízos às pacientes, como um possível cenário de desassistência para quem prefere cesárea.
O órgão diz que o parto é um dos procedimentos obrigatórios dos planos de saúde e recomenda às gestantes que, em caso de problemas, entrem em contato com a operadora, que deve disponibilizar outro obstetra.
"As operadoras não podem negar a cobertura, ou estarão sujeitas às penalidades previstas pela legislação", afirma a ANS em nota.
Para evitar problemas, a agência planeja finalizar ainda neste mês, em parceria com entidades médicas, um termo de consentimento livre e esclarecido, que deve ser assinado pelas gestantes.
A ação visa impedir que médicos deixem de atender a quem quer o procedimento. "A paciente tem essa opção. É dada pela própria Constituição e no Código de Ética Médica, então não podemos excluir esse direito", diz a gerente de regulação assistencial da ANS, Raquel Lisbôa.
Em janeiro, no entanto, o então presidente da agência, André Longo, afirmou que os planos poderiam reter o pagamento dos médicos caso o partograma mostrasse que houve uma cesárea "desnecessária". "É tudo o que a operadora quer", disse.
Com a nova medida, os médicos deverão anexar o termo de consentimento junto a um relatório para que possam receber pelo serviço.
A solução, no entanto, ainda gera embate com obstetras. O principal motivo é o prazo: para a ANS, o ideal é que a mulher assine o termo só na 39ª semana, no fim da gravidez, o que garantiria que a cesárea não foi antecipada.
Já os médicos defendem que haja um acordo logo após as primeiras consultas.
"Faltando 15 minutos, não dá para dizer: 'Assine aqui'", diz José Hiran Gallo, do Conselho Federal de Medicina.
Em nota, a FenaSaúde, entidade que representa as maiores operadoras de planos de saúde, diz que a opção por parto normal ou cesárea é um "direito da gestante".
"Quando a parturiente não acatar a orientação do médico, é de praxe a paciente assinar termo de responsabilidade por sua escolha", diz.
A associação diz ainda que não tem registros de descredenciamento de obstetras dos planos devido à nova norma.
TAXAS DE CESÁREAS
Além do partograma, as novas regras preveem que os pacientes possam solicitar as taxas de cesárea de profissionais e hospitais. A ideia é auxiliar as mulheres que desejam fazer o parto normal a encontrarem o serviço.
A medida é vista pela categoria como uma forma de "condenar" os profissionais.
"Colocar um carimbo no médico com o número de cesáreas não vai resolver", diz o diretor da Sogesp (associação de obstetrícia e ginecologia de São Paulo), César Eduardo Rodrigues.
Para ele, a divulgação das cesáreas por obstetra pode gerar interpretações erradas --em casos, por exemplo, em que o médico é especialista em gestação de alto risco.
NATÁLIA CANCIAN
DE BRASÍLIA
Fonte: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=19583
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